Narrador em Primeira e Terceira Pessoa – Qual a diferença?
Entenda a diferença entre o Narrador em Primeira e o Narrador em Terceira Pessoa nesta matéria do Gestão Educacional!
- Publicado: 29/05/2023
- Atualizado: 31/05/2023: 18 48
- Por: Lilian Reina Peres
Existem dois pontos de vista possíveis para uma narração: primeira ou terceira pessoa. Todos os tipos de narradores se organizam a partir dessas duas conjugações gramaticais.
É um consenso entre os estudiosos da literatura que o narrador é um dos elementos mais importantes da narrativa, pois é a partir do seu olhar que a história se desenvolve.
Então, reconhecer qual o narrador de um texto é, portanto, muito importante para compreender uma narrativa. Vamos agora nos aprofundar nesses conceitos!
O que é narrador em primeira pessoa?
O narrador em primeira pessoa divide-se em dois tipos: narrador autodiegético ou narrador personagem; e narrador homodiegético ou narrador observador. Tratam-se de narradores que fazem parte do universo da história (que é a diegese).
Nesses casos, a subjetividade aparece como uma característica importante a se levar em consideração. Trata-se de um narrador parcial, com uma percepção única da história a partir de sua própria posição. Contudo, é necessário se atentar também para o fato de que o narrador em primeira pessoa é um personagem e, por isso, não corresponde ao autor, mas a uma outra persona por ele criada.
Narrador autodiegético
Esse narrador participa da história do livro, pois relata suas próprias experiências como protagonista de sua própria narrativa. O nome “autodiegético” é uma referência a como a diegese, ou seja, a realidade da história, gira em torno de quem a conta.
Por isso, esse narrador é frequentemente considerado o tipo menos confiável, pois sabemos que, quando qualquer um conta uma história sobre seu próprio ponto de vista, a altera de forma que seja favorável a si mesmo.
Frequentemente, esse narrador narra acontecimentos que já se passaram, suas próprias lembranças sobre uma situação. Isso, portanto, faz com que o tempo da narração seja diferente do tempo da história, ocasionando uma distância temporal entre os fatos narrativos e a enunciação desses fatos pelo narrador.
Por outro lado, é possível também que o próprio autor se coloque no lugar de narrador personagem, algo que é comum, por exemplo, na literatura de testemunho. Isso ocorre no livro “É isto um homem?”, de Primo Levi, que traz as memórias do autor, um sobrevivente do Holocausto:
Fui detido pela Milícia fascista no dia 13 de dezembro de 1943. Eu tinha vinte e quatro anos, pouco juízo, nenhuma experiência e uma forte propensão, favorecida pelo regime de segregação ao qual as leis contra os judeus haviam me obrigado durante os últimos quatro anos, a viver num mundo só meu, um tanto apartado da realidade, povoado de racionais fantasmas cartesianos, de sinceras amizades masculinas e minguadas amizades femininas. Cultivava um moderado e abstrato espírito de rebelião. |
No trecho, é possível identificar o uso da primeira pessoa do singular. Além disso, a descrição que Levi faz do ocorrido e do contexto mostram um posicionamento, uma opinião juntamente à experiência de ter sido segregado pelo regime nazista.
Narrador observador
Já o narrador observador é aquele que participa da história, só que não necessariamente como personagem principal.
Ele relata fatos que ele vivenciou de longe, contando, portanto, sua própria versão que pode ou não ser solidária ao personagem principal da narrativa. Se diferencia dos outros tipos de narrador pois, ao contrário do narrador onisciente, não sabe todos os fatos da narrativa e não se mantém anônimo, mas também não narra uma história na qual é personagem principal, como o narrador personagem.
O nome “homodiegético” faz referência, nesse sentido, a estar no mesmo universo em que se passa a história, ou seja, a ser parte daquele mundo sobre o qual ele narra.
Um exemplo bastante conhecido desse tipo de narrador é Dr. Watson, o parceiro do detetive Sherlock Holmes. Como observador, ele relata os acontecimentos da forma como os observa enquanto acompanha o protagonista. Nesse caso, a narração é feita em primeira pessoa a partir do ponto de vista de um personagem secundário.
Da mesma forma que ocorre com o narrador autodiegético, os interesses por trás do narrador observador fazem com que este seja também parcial.
É comum haver uma confusão, quanto a este tipo de narrador, pois ele narra em primeira pessoa (do singular ou do plural) e, ao mesmo tempo, por contar a história de um outro personagem, faz uso também da terceira pessoa. Observe o exemplo a seguir, do livro “O nome da rosa”, de Umberto Eco:
O tempo que estivemos juntos não tivemos oportunidade de levar vida muito regular: mesmo na abadia velamos à noite e caímos cansados de dia, nem participamos regularmente dos ofícios sagrados. Contudo, em viagem, raramente ficava acordado após as completas e tinha hábitos parcos. Algumas vezes, como aconteceu na abadia, passava o dia inteiro movendo-se no horto, examinando as plantas como se fossem crisóprasos ou esmeraldas, e o vi andando pela cripta do tesouro admirando um escrínio cravejado de esmeraldas e crisóprasos como se fosse uma touceira de estramônio. |
O narrador observador no romance é Adso de Melk, um noviço que acompanha o monge William de Baskerville. Desse modo, há o uso de primeira pessoa do singular, do plural e também de terceira pessoa.
O que é narrador em terceira pessoa?
Na conjugação da terceira pessoa, temos o narrador onisciente (ou heterodiegético).
O narrador onisciente se caracteriza por não fazer parte da história que narra. Esse tipo de narrador geralmente mantém certo anonimato e detém grande autoridade sobre aquilo que narra. Isso porque sabe de todos os pensamentos íntimos dos personagens e dos fatos narrativos em detalhes minuciosos, agindo, assim, como uma espécie de “deus”, que tudo sabe e tudo vê acerca da história do livro.
O nome “heterodiegético”, portanto, tem a ver com aquilo que é diverso do universo da narrativa (que é a diegese). Em outras palavras, esse narrador se encontra fora da realidade da história, não estando inserido nela; ele narra de fora da história.
É comum, nesses casos, que o narrador também aponte aspectos psicológicos dos personagens e faça reflexões acerca dos acontecimentos. Um exemplo clássico pode ser visto em “A metamorfose”, de Franz Kafka:
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. |
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Referências
Reales, L. Introdução aos estudos da narrativa. Florianópolis: LLE/CCE/UFSC, 2008.